sábado, 17 de abril de 2010















AS PEDRAS SULCADAS DO MORRO DA GUIA
(Em busca da verdade científica)


No século XVI, quando os primeiros europeus aqui desembarcaram, já ouviram dos índios as aventuras do Sumé e as pedras sulcadas do Morro do Tairú. A lenda é um dos mais importantes subsídios para explicar a origem do homem pré-colombiano.
O antropólogo francês André Metraux, diz que Sumé vivia com sua família em outras paragens e após gerar os gêmeos míticos Tamendonare e Aricoute, o Bem e o Mal, abandonou a família e foi viver no Cabo Frio, onde era conhecido pela feitiçaria e arte de vidência.
Certa vez, os índios perseguiram-no por diversas praias. Conta a lenda, que as flechas arremessadas davam a volta e cravavam no inimigo. Sumé continuou a fuga, até finalmente ser encurralado. Num gesto inesperado feito um “Moisés bíblico”, abre o mar e foge de seus opositores.
Morava numa câmara de pedras, que até hoje existe no flanco sul do Morro da Guia. No alto da colina, voltado para o nordeste, encabeçando o conjunto de blocos sulcados, esculpiu uma cadeira, na dura pedra. Existem sinais da sua passagem pela Paraíba, Bahia e Cabo Frio.
André Thevet, em 1555, e Simão de Vasconcellos, em 1663, foram os primeiros a fazerem referências às pedras sulcadas. Saint Hilaire, em 1818, desfrutou do mais belo panorama durante suas viagens, chegando a afirmar.: “Dele se descobre o mar e os navios que passam no oceano, onde algumas vezes sobem os religiosos por divertimento e para mostrar os penedos sulcados”. O célebre naturalista Charles Darwin, autor de “A origem das espécies”, também esteve em pesquisas no local, no ano de 1836.
Ladislau Netto, em 1881, provavelmente foi o primeiro a levantar a hipótese de que os sulcos eram polidores líticos fixos: “Tive em 1881, ocasião de verificar no alto do Morro da Guia, a menos de 2 quilômetros da cidade de Cabo Frio, o modo porque se serviam os indígenas dos fragmentos caídos dos penedos de diorito que formam a aresta denticulada daquela montanha. Os referidos penedos ou penhascos apresentam, em diferentes sentidos, sulcos que, examinados atentamente, indicam haver sido feitos por indivíduos que, ajoelhados ou acocorados sobre a face superior dos rochedos, ali desbastavam os fragmentos de diorito de que faziam machados. A água e areia eram os únicos elementos de que se socorriam para esta operação”.
Simões da Silva, em 1917, afirmou que o sítio era formado por 10 blocos de pedras, mas hoje restam somente 7. Existiam na época da sua visita, 184 sulcos, produzidos por fricção, dos quais 168 eram retos e apenas 16 curvos, medindo de 20cm a 120cm, e com as mesmas profundidades. O pesquisador, também aceita a idéia de que se tratava de polidores fixo.
Dias Jr., em 1959, encampou a mesma teoria, datando o sítio como da época neolítica. O antropólogo Joaquim Perfeito da Silva, em 1978, reproduziu em papel vegetal todas as ranhuras, e levantou algumas questões que colocam dúvidas sobre a teoria dos polidores fixos:
"1) Os sulcos só ocorrem nos blocos aproximadamente alinhados no sentido NE – SW, do alto do morro ao sopé, nunca em outros blocos das redondezas, que apresentam as mesmas características de superfície, para efetuar-se a operação de se produzir sulcos.
2) Nos blocos, os sulcos apresentam-se em 70% dos casos, com o mesmo alinhamento NE – SW, freqüência muito superior ao que seria de se esperar caso as orientações escolhidas fossem aleatórias.
3) A seção transversal dos sulcos é em meia cana, em forma de “U” com a largura igual a profundidade, que varia de 2 a 3 cm. Comprova-se experimentalmente que, para obter um gume polido, é necessário atritar o gume em posição transversal ao eixo do atrito, neste caso estes sulcos seriam utilizados para obter artefatos com gumes polidos de largura inferior aos 3 cm, e em forma de cone, os quais nunca foram encontrados. Os polidores “móveis” dos sambaquis, por exemplo, apresentam larguras rigorosamente compatíveis com as larguras das Supondo-se que neste caso os artefatos tivessem sido mantidos com o gume no mesmo sentido do eixo de atrito, deveriam produzir sulcos em forma de “V”, o que não ocorre. Com tal processo e considerando-se os sulcos resultantes, teriam sido obtidos artefatos com gumes arredondados.
4) Observa-se nos polidores líticos “móveis” que os sulcos sempre são mais profundos em sua porção central, o que não ocorre nos sulcos do Morro da Guia que apresentam, praticamente, a mesma profundidade em todo o trajeto.
5) Existem numerosos sulcos, retos, com 80 cm a 120 cm de comprimento, extensão muito superior àquela permitida ao braço humano neste tipo de operação (flexão-extensão do braço sobre o antebraço e rotação do ombro), salvo com grande esforço e postura inadequada.
6) Tomando-se a extensão de todos os sulcos, obtém-se mais de 100 m, o que implica em grande número de operadores ou um período muito longo de uso. No entanto, a semelhança da maior parte dos sítios petróglifos brasileiros, nenhum autor registrou o achado de artefatos líticos (ou quaisquer outras evidências culturais) nas proximidades;
7) Na região ocorrem formações graníticas, normalmente próximas à sítios arqueológicos e ao mar, que apresentam sulcos claramente vistos como resultados do trabalho de polimento de ferramentas para se obter gumes (mais largos e profundidade variável), com cumprimentos não superiores a 25 cm, perfeitamente coerente com suas funções de servir de base para polir”.
O arqueólogo peruano radicado em Cabo Frio, Alfredo J. Altamirano, em recentes pesquisas no local, afirma que o sítio é formado por petróglifos ligados a rituais de agricultura e pesca, com função mágico-religiosa e entendido dentro de um sistema sócio-cultural Xamãnico. Este sistema dominava a ideologia do índio Tupinambá, e para ele, os sulcos e suas orientações estavam integrados e ordenados num sistema simbólico nativo. Os deuses (Tupã, jaci, Coaraci e Rudá) eram invocados no topo do morro, onde encenavam diversos rituais e oráculos neste centro místico e religioso.
Polidores líticos fixos ? Petróglífos representando rituais de agricultura e pesca ? Sinalizações astronômicas feitas por um ser lendário, vindo de uma cultura mais avançada ?
Muitos séculos se passaram, muitos pesquisadores subiram o Outeiro do Tairú em busca da verdade científica, e hoje ao comemorarmos 500 anos de história, temos também, um pé na pré-história, e a única certeza que trazemos é a de que as pedras sulcadas do Morro da Guia continuam envolta numa neblina de beleza e mistério.

Texto: Clébio Gonçalves




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