AS PEDRAS SULCADAS DO MORRO DA GUIA
(Em busca da verdade científica)
No século XVI, quando os primeiros europeus aqui desembarcaram, já ouviram dos índios as aventuras do Sumé e as pedras sulcadas do Morro do Tairú. A lenda é um dos mais importantes subsídios para explicar a origem do homem pré-colombiano.
O antropólogo francês André Metraux, diz que Sumé vivia com sua família em outras paragens e após gerar os gêmeos míticos Tamendonare e Aricoute, o Bem e o Mal, abandonou a família e foi viver no Cabo Frio, onde era conhecido pela feitiçaria e arte de vidência.
Certa vez, os índios perseguiram-no por diversas praias. Conta a lenda, que as flechas arremessadas davam a volta e cravavam no inimigo. Sumé continuou a fuga, até finalmente ser encurralado. Num gesto inesperado feito um “Moisés bíblico”, abre o mar e foge de seus opositores.
Morava numa câmara de pedras, que até hoje existe no flanco sul do Morro da Guia. No alto da colina, voltado para o nordeste, encabeçando o conjunto de blocos sulcados, esculpiu uma cadeira, na dura pedra. Existem sinais da sua passagem pela Paraíba, Bahia e Cabo Frio.
André Thevet, em 1555, e Simão de Vasconcellos, em 1663, foram os primeiros a fazerem referências às pedras sulcadas. Saint Hilaire, em 1818, desfrutou do mais belo panorama durante suas viagens, chegando a afirmar.: “Dele se descobre o mar e os navios que passam no oceano, onde algumas vezes sobem os religiosos por divertimento e para mostrar os penedos sulcados”. O célebre naturalista Charles Darwin, autor de “A origem das espécies”, também esteve em pesquisas no local, no ano de 1836.
Ladislau Netto, em 1881, provavelmente foi o primeiro a levantar a hipótese de que os sulcos eram polidores líticos fixos: “Tive em 1881, ocasião de verificar no alto do Morro da Guia, a menos de 2 quilômetros da cidade de Cabo Frio, o modo porque se serviam os indígenas dos fragmentos caídos dos penedos de diorito que formam a aresta denticulada daquela montanha. Os referidos penedos ou penhascos apresentam, em diferentes sentidos, sulcos que, examinados atentamente, indicam haver sido feitos por indivíduos que, ajoelhados ou acocorados sobre a face superior dos rochedos, ali desbastavam os fragmentos de diorito de que faziam machados. A água e areia eram os únicos elementos de que se socorriam para esta operação”.
Simões da Silva, em 1917, afirmou que o sítio era formado por 10 blocos de pedras, mas hoje restam somente 7. Existiam na época da sua visita, 184 sulcos, produzidos por fricção, dos quais 168 eram retos e apenas 16 curvos, medindo de 20cm a 120cm, e com as mesmas profundidades. O pesquisador, também aceita a idéia de que se tratava de polidores fixo.
Dias Jr., em 1959, encampou a mesma teoria, datando o sítio como da época neolítica. O antropólogo Joaquim Perfeito da Silva, em 1978, reproduziu em papel vegetal todas as ranhuras, e levantou algumas questões que colocam dúvidas sobre a teoria dos polidores fixos:
"1) Os sulcos só ocorrem nos blocos aproximadamente alinhados no sentido NE – SW, do alto do morro ao sopé, nunca em outros blocos das redondezas, que apresentam as mesmas características de superfície, para efetuar-se a operação de se produzir sulcos.
2) Nos blocos, os sulcos apresentam-se em 70% dos casos, com o mesmo alinhamento NE – SW, freqüência muito superior ao que seria de se esperar caso as orientações escolhidas fossem aleatórias.
3) A seção transversal dos sulcos é em meia cana, em forma de “U” com a largura igual a profundidade, que varia de 2 a 3 cm. Comprova-se experimentalmente que, para obter um gume polido, é necessário atritar o gume em posição transversal ao eixo do atrito, neste caso estes sulcos seriam utilizados para obter artefatos com gumes polidos de largura inferior aos 3 cm, e em forma de cone, os quais nunca foram encontrados. Os polidores “móveis” dos sambaquis, por exemplo, apresentam larguras rigorosamente compatíveis com as larguras das Supondo-se que neste caso os artefatos tivessem sido mantidos com o gume no mesmo sentido do eixo de atrito, deveriam produzir sulcos em forma de “V”, o que não ocorre. Com tal processo e considerando-se os sulcos resultantes, teriam sido obtidos artefatos com gumes arredondados.
4) Observa-se nos polidores líticos “móveis” que os sulcos sempre são mais profundos em sua porção central, o que não ocorre nos sulcos do Morro da Guia que apresentam, praticamente, a mesma profundidade em todo o trajeto.
5) Existem numerosos sulcos, retos, com 80 cm a 120 cm de comprimento, extensão muito superior àquela permitida ao braço humano neste tipo de operação (flexão-extensão do braço sobre o antebraço e rotação do ombro), salvo com grande esforço e postura inadequada.
6) Tomando-se a extensão de todos os sulcos, obtém-se mais de 100 m, o que implica em grande número de operadores ou um período muito longo de uso. No entanto, a semelhança da maior parte dos sítios petróglifos brasileiros, nenhum autor registrou o achado de artefatos líticos (ou quaisquer outras evidências culturais) nas proximidades;
7) Na região ocorrem formações graníticas, normalmente próximas à sítios arqueológicos e ao mar, que apresentam sulcos claramente vistos como resultados do trabalho de polimento de ferramentas para se obter gumes (mais largos e profundidade variável), com cumprimentos não superiores a 25 cm, perfeitamente coerente com suas funções de servir de base para polir”.
O arqueólogo peruano radicado em Cabo Frio, Alfredo J. Altamirano, em recentes pesquisas no local, afirma que o sítio é formado por petróglifos ligados a rituais de agricultura e pesca, com função mágico-religiosa e entendido dentro de um sistema sócio-cultural Xamãnico. Este sistema dominava a ideologia do índio Tupinambá, e para ele, os sulcos e suas orientações estavam integrados e ordenados num sistema simbólico nativo. Os deuses (Tupã, jaci, Coaraci e Rudá) eram invocados no topo do morro, onde encenavam diversos rituais e oráculos neste centro místico e religioso.
Polidores líticos fixos ? Petróglífos representando rituais de agricultura e pesca ? Sinalizações astronômicas feitas por um ser lendário, vindo de uma cultura mais avançada ?
Muitos séculos se passaram, muitos pesquisadores subiram o Outeiro do Tairú em busca da verdade científica, e hoje ao comemorarmos 500 anos de história, temos também, um pé na pré-história, e a única certeza que trazemos é a de que as pedras sulcadas do Morro da Guia continuam envolta numa neblina de beleza e mistério.
Texto: Clébio Gonçalves
Muito bom este texto.
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